sábado, 8 de outubro de 2011

Poema da malta das naus


Lancei ao mar um madeiro,

espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
 
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
 
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
 
Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.
 
Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
 
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
 
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
 
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
 
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunementenas praias de Portugal."António Gedeão in Teatro do Mundo

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